terça-feira, 1 de abril de 2008

Tu não te esforças...

"Tu não te esforças!
Nervosismo, gritos, renúncias espectaculares, portas a bater, teimosia:
- Vamos recomeçar! Desde o principio, cada palavra deformada pela tremura dos lábios.
- Não faças fitas!
Mas com o seu desgosto, não pretendia enganar-nos. Era um desgosto autêntico, incontrolável, que exactamente nos dizia a mágoa de já nada conseguir controlar, de já não desempenhar qualquer papel na nossa satisfação, e que se alimentava muito mais na fonte da nossa inquietação do que nas manifestações da nossa impaciência.
Porque estávamos inquietos.
Uma inquietação que depressa nos levou a compará-lo a outras crianças da sua idade.
E ao falarmos com amigos cuja filha... não, não, na escola vai tudo bem, ele devora autenticamente os livros...
Estava ele a ficar surdo? ou talvez fosse disléxico. Iríamos nós defrontar-nos com uma "recusa escolar"? Iria ele acumular um atraso irrecuperável?
Consultamos vários especialistas: os audiogramas eram o que há de mais normal, os diagnósticos dos ortofonistas eram tranquilizadores, os psicologos estavam perfeitamente serenos.
Então?
Seria preguiçoso?
Estupidamente preguiçoso?
Não, muito simplesmente seguia o seu ritmo, que não é necessariamente igual ao dos outros, e que não é necessariamente o ritmo uniforme da vida, o ritmo de aprendiz de leitor, que tem acelerações e regressões bruscas, períodos de bulimia e longas sestas digestivas, sede de progredir e medo de decepcionar...
Acontece apenas que nós, os "pedagogos", somos usurários apressados. Como detentores do Saber, emprestamo-lo a juros. É preciso que renda. E rapidamente! Se isso não acontece, é de nós próprios que começamos a duvidar"


in "Como um Romance", Daniel Pennac

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