segunda-feira, 31 de março de 2008

O verbo ler não suporta o imperativo...

... É uma aversão que compartilha com outros: o verbo "amar"... o verbo "sonhar"... É evidente que se pode sempre tentar. Vejamos: "Ama-me!" "Sonha!" " Lê!" " Lê, já te disse, ordeno-te que leias!"
- Vai para o teu quarto e lê!
Resultado?
Nada.
Ele adormeceu sobre o livro. De súbito, a janela pareceu-lhe aberta de par em par, por onde ele se iria evadir, voar, para fugir ao livro. Mas era um sonho acordado: o livro continuava aberto diante dele. Se abrirmos uma nesga da porta, lá está ele, sentado à sua mesa, sabiamente ocupado a ler. Mesmo que tenhamos subido a escada pé ante pé, a superfície do seu sono avisou-o da nossa chegada.
- Então? Estás a gostar?
É claro que a resposta não vai ser negativa, seria um crime de lesa-majestade. O livro é algo sagrado, como é possível que haja quem não goste de ler? Não, ele dirá que as descrições são demasiado longas.
Tranquilizados, voltamos ao nosso posto diante da televisão. Pode até suceder que esta reflexão suscite um apaixonante diálogo entre nós...
- Ele acha que as descrições são demasiado longas. Temos de o compreender, estamos no século do audio-visual, evidentemente, os autores do séc. XIX tinham de descrever tudo...
-Mas isso não é razão para o deixarmos saltar metade das páginas!

...


"Como um romance" Daniel Pennac

Um comentário:

Fatima Carmo disse...

Foi uma vida inteira de tentativas. Não consegui.Com excepção da mais velha, as tuas primas não gostam de ler.Não sei como aconteceu. Até à ida para a escola primária, todos as noites me sentava no chão, entre as duas camas, de costas para a cabeceira, por forma a que as ilustrações fossem seguidas, e lia a história com todo o amor que cabia no meu coração. Às vezes era o pai que o fazia. Interrogo-me sobre o que aconteceu. Mãe frustrada...mas tia orgulhosa...Bjufas